Nosso blog

Transformação digital é diferente porque "os líderes acreditam nela"

Os executivos perceberam que o núcleo do negócio vai ter de mudar, que o impacto será perene e a abrangência significativa, diz Michael Chui, consultor na McKinsey.


Foto de Michael Chui, consultor da McKinsey
Michael Chui, consultor na McKinsey

A transformação podia ser apenas um "buzzword" ou uma vaga igual às outras promovidas pelo sector das TIC, mas não é por uma razão fundamental. Ao contrário de outras etapas de evolução, esta convence os líderes das organizações, nota Michael Chui, consultor na McKinsey.

Esse detalhe importante, conjugado com a abrangência e profundidade dos objectivos propostos conferem ao momento um carácter diferente. Mudar a cadeia de valor parece ser crucial e nem sempre a experiência do cliente é o mais importante.

Computerworld ‒ Esteve na Web Summit a apresentar um conjunto de sete ameaças que as startups enfrentam ao lançarem-se no mercado mundial. Creio que, se não todas, algumas incidem nas empresas tradicionais também, concorda? Mas qual é a principal atualmente?

Michael Chui ‒ Acho que são ameaças e oportunidades. Considerando os efeitos de rede, se as empresas conseguirem aumentar receitas com eles, constituem uma tremenda oportunidade. E se uma empresa é ultrapassada no aproveitamento dessa oportunidade entra em problemas.

CW ‒ E quando uma PME está atrasada na adopção desse recurso?

MC ‒ O que é espantoso é que se consegue recuperar do atraso. Por exemplo, as redes sociais actualmente dominantes não são as de há alguns anos.
Houve algumas empresas a aproveitarem os efeitos de rede e depois outras e aproveitaram outros efeitos. É preciso entender estas coisas mas pode-se usar para ganhar vantagem mesmo que se tenha estado na vanguarda.

CW ‒ O sector das TIC tem promovido, com grande ênfase, a transformação digital das organizações. Mas o que é realmente novo nesta nova vaga de evolução dos sistemas de informação das empresas? Para quem acompanha o sector das TIC, por exemplo há 15 anos, parece apenas mais uma "buzzword"?

MC ‒ Concordo em parte com essa perspectiva. Porque até costumo fazer uma piada: "qual é a alternativa à transformação digital. a transformação analógica?"

Mas uma coisa que é particularmente diferente: o grau de entendimento e conhecimento, no patamar dos executivos, de que a transformação terá impacto profundo e perene em tudo no negócio. E acho que também a combinação entre o entendimento dos executivos e a profundidade e abrangência das aspirações relacionadas.

Dizemos transformação digital em vez de tendência digital, porque acreditamos verdadeiramente que o núcleo do negócio vai ter de mudar, como resultado da implantação de uma série de tecnologias. E não creio que os líderes das grandes organizações acreditassem nisso antes.

CW ‒ Pode apresentar o exemplo de uma empresa que por estranho que pareça, pode beneficiar de uma transformação digital?

MC ‒ Entre as empresas metalúrgicas há bons exemplos. Pensamos nelas como sujas, mas existem muitas que estão a equipar-se com redes de IoT, a conduzirem experiências, a fazerem optimizações com base na analítica de dados e até na inteligência artificial. Estão ainda a fundir metal e a trabalhá-lo, mas estão a mudar o fundamental no seu desempenho.

CW ‒ Proponho-lhe outro: como é que uma simples padaria pode aproveitar a transformação?

MC ‒ Analisemos a cadeia de valor de uma padaria, porque [a transformação] passa por mudá-la. Todas as partes do negócio podem ser alvo de transformação digital mesmo numa PME.

Pode ser no fabrico do pão, em si. Hoje há máquinas que podem ser interligadas e os processos tornam-se mais automatizados. E pode-se pensar em fazer melhor a previsão de procura ou estabelecer uma interligação prática com os clientes.

Antes desenvolviam-se os contatos com clientes quando eles entravam na loja.

CW ‒ Mas esse é o verdadeiro núcleo do negócio de uma padaria?

MC ‒ É compreender os clientes e fazer pão [em conformidade] e funcionar de uma forma eficaz e eficiente para ter lucro. Mesmo considerando a ligação com o cliente a coisa mais importante do negócio da padaria, pode-se conectar com o cliente de formas muito diferente que não se conseguia antes.

CW ‒ Então o mais fundamental da transformação digital é mesmo a experiência do cliente?

MC ‒ Depende dos sectores e segmentos. Antes costumava ser a implantação de tecnologias digitais, a era de domínio do computador nas TI , com um bocadinho de computação nos extremos das estruturas de TI, com um POS electrônico e software de contabilidade.

Mas agora estamos a falar da transformação dos processos centrais de todas as organizações. Essa é a grande diferença.

CW ‒ Como é que as startups poderão manter a sua vantagem competitiva, numa altura em que o grau de concorrência está cada vez mais intenso? Elas são mais ágeis, mas não têm os mesmos recursos do que as organizações.

MC ‒ As tecnologias mais recentes estão a ter um efeito, documentado já em estudos acadêmicos, que é intensificar a concorrência e a competitividade. Muitas das TIC atuais, por exemplo cloud computing, permitiram às startups ter algum do poder que as grandes organizações têm.

Podem ter acesso a grandes quantidades de dados e potencialmente a clientes. No lado das desvantagens, se estão a procurar ter os melhores talentos de AI no mundo, as startups têm de competir com empresas gigantescas capazes de oferecer salários muito altos a pessoas que conhecem bem a tecnologia.

Portanto há uma série de factores positivos e negativos que variam de importância de tempos a tempos.

CW ‒ Uma startup poderá ter acesso à mesma quantidade de dados do que uma grande empresa?

MC ‒ Os desafios e os dados são diferentes. Primeiro numa grande empresa há muitos desafios para perceberem como aceder aos dados que supostamente têm. Estão em silos e não estão integrados.

Mas no caso das startups, devido às iniciativas em open data, podem ter acesso a muita coisa. Não é preciso ter acesso a tudo o que uma rede social dá.

E pode-se obter analítica sobre indicadores econômicos dos governos, de meteorologia e geográficos. As empresas grandes têm acesso a muitos dados internos, mas com dificuldades.

CW ‒ A promoção de iniciativas de open data será mesmo um importante fator de desenvolvimento econômico?

MC ‒ Sim, fizemos um estudo sobre open data em que estão ilustradas várias formas como certos os resultados económicos seriam positivos se mais pessoas e empresas pudessem aceder a mais dados.

CW ‒ Diz que não há empresas no mundo que tenham investido o suficiente em cibersegurança. Qual poderá ser a estratégia para uma empresa lidar com os problemas nessa área?

MC ‒ Os riscos de cibersegurança são uma ameaça existencial para todas as empresas. Mas nenhuma está a investir da forma certa e suficiente.

Uma das formas como se pode abordar isso é aquela adotada pelas empresas de seguros: a gestão de risco. É preciso ter uma visão holística sobre todos, saber qual é o potencial de danos de cada um e quanto se quer investir para gerir cada um.

Implica uma atitude diferente de pensar que se vai impedir a ocorrência de tudo o que é mau. Não há maneira de fazer isso. Mas interessa saber qual é o valor de determinados ativos para a empresa. Muitas ainda não começaram a fazer isto.

CW ‒ As ofertas de "data-as-a-service" podem ser muito interessantes para uma PME. Mas como devem as empresas equacionar a sua utilização?

MC ‒ Há duas faces na mesma moeda: aquela dos que fornecem os serviços e a dos que compram. Fornecer pode ser uma atividade muito poderosa em termos do que se está a vender, porque se está a disponibilizar não só o serviço como os resultados.

Mas também há desafios aí, porque a economia pode ser difícil: fica-se com os riscos todos da variação em volume. É um modelo de negócio muito apelativo para os clientes, mas com desafios.

Comprar como um serviço é muito vantajoso de várias formas, sobretudo se na compra os clientes perceberem quão presos ou dependentes ficam de um único fornecedor. Ao tomarem a decisão é preciso saberem se podem mover os volumes de trabalho de uma plataforma para outra sem grandes dificuldades.

CW ‒ Com cloud computing esse risco pode ser mitigado com uma estratégia de multi-cloud, dependendo da conformidade com normas. Mas com outras tecnologias que remédio pode haver para as empresas?

MC ‒ Quanto à cloud isso é verdade. Em relação ao resto é de facto preciso pensar muito bem sobre o assunto.

Mas é como uma estratégia de sourcing com múltiplos fabricantes. Pode-se fazê-lo embora envolva mais trabalho.

É preciso perceber que grau de compromisso se pretende assumir com uma única plataforma e saber das vantagens e desvantagens ao optar por isso.

CW ‒ Mas como se pode controlar os efeitos de rede, porque por vezes parecem incontroláveis?

MC ‒ Eu disse controlar, mas na verdade queria dizer tirar partido. Muito deste aproveitamento em torno das pessoas, tem a ver com a economia comportamental e o entendimento sobre o que leva uma pessoa a aderir a uma rede por via de outra.

Muitas vezes são elementos muito "pequenos". Por exemplo, como se faz com que certas coisas funcionem por omissão. Como se facilita que um botão seja carregado ou não seja?

Tem muito a ver com experimentação e basicamente uma série de disciplinas de encorajamento de comportamento. Uma das coisas mais interessantes sobre as maiores plataformas é a forma como conseguem afectar as nossas vidas públicas.

CW ‒ Considerando estes sete desafios que podem ser foco de vantagem, o que significa o cenário que configuram para o setor público?

MC ‒ Duas coisas, sobretudo. Significa que é preciso perceber como usar as tendências para ser mais eficaz e eficiente. O que vemos é que as empresas ainda não usaram os melhores pensamentos do sector da TIC.

Mas começamos a notar uma maior adoção, até de coisas simples como cloud computing, metodologias Agile, entre outras, perfeitamente aplicáveis ao sector público.

Outro desafio é perceber como este capacita o resto da economia para usar melhor estas técnicas. Uma das formas é por exemplo como possibilitar que efeitos de rede produzam bons resultados.

Pode ser proporcionar melhor saúde ou maior envolvimento e participação dos cidadãos. E também entender os efeitos negativos nesses dois temas para garantir uma melhor sociedade em que possamos viver.

CW ‒ Quais são os riscos da utilização de metodologias ágeis no sector público?

MC ‒ Um dos problemas é que as estruturas do sector público vulgarmente não estão bem organizadas para criarem organizações muito flexíveis. Têm títulos muito rígidos, exigem exames para avançar na carreira, requisitos de funções muito rígidos, entre outros.

Não são características muito compatíveis com as metodologias Agile, em que é preciso muita flexibilidade e nas quais a experimentação é muito importante. Até a gestão de compras e a contratação de serviços é muito diferente.

CW ‒ O procurement também pode ser Agile?

MC ‒ Bom, entre aspas. No setor público a maior parte das vezes é produzir uma especificação, para abrir concurso e depois alguém faz uma proposta.

Começamos a ver situações em que a resposta à especificação é um protótipo e isso é uma mudança fundamental, porque é compatível com o modelo de "sprints" e interações. Quem solicita pede os resultados do primeiro "sprint" ou dois e não um documento a explicar o desenvolvimento.

POR JOÃO NÓBREGA

comments powered by Disqus